Seguradoras precisam mobilizar seus dados em favor dos clientes
Fonte: Risco Seguro Brasil por Rodrigo Amaral
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Para Marlene Gomes, responsável de seguros da TIM Brasil, informações sobre sinistros podem alimentar benchmarks para aprimorar a gestão de riscos das empresas

Marlene Gomes, responsável pela gestão de Seguros da TIM Brasil (Crédito: divulgação)
Está na hora do mercado de seguros usar o big data em benefício de seus clientes corporativos. Apesar de uma profusão de informações à sua disposição, e tecnologias como a inteligência artificial para tratá-los, essa continua sendo uma tarefa pendente para o setor.
Quem afirma é Marlene Gomes, responsável pela gestão de Seguros da TIM Brasil, uma empresa que reconhece os benefícios que a análise de dados pode trazer aos consumidores.
“Os investimentos em tecnologias de análise de dados ficaram muito voltadas para o seguro massificado. É preciso também fazer um trabalho direcionado aos grandes riscos”, diz ela.
Ao fazer isso, as seguradoras estariam no mesmo caminho que muitos de seus clientes corporativos estão percorrendo há muito tempo.
Em nossa empresa, nós usamos a base de dados da rede para identificar riscos e ser mais assertivos a respeito dos ativos que necessitam de cobertura. As seguradoras podem fazer algo parecido porque têm acesso a uma gama de dados muitos grandes. E isso pode ser feito sem ferir a privacidade de dados.
Gomes gostaria que as seguradoras utilizassem os dados que dispõem para produzir benchmarks capazes de orientar as decisões de subscrição de seus clientes.
Por exemplo, elas dispõem de informações sobre medidas de prevenção capazes de evitar sinistros. Quando comparadas com os dados de clientes de um mesmo setor de atividade, ainda que sejam compilados de maneira anônima, tais informações podem ser de grande utilidade para compradores e subscritores.
“Eu acredito que as seguradoras, com essas informações, poderiam dar um tratamento a elas, retornando como insights aos seus clientes”, diz Gomes.
A executiva da TIM Brasil fez as declarações durante uma conversa exclusiva com a RSB, que está publicando uma série de entrevistas com membros da ABGR para dar voz aos compradores de seguros para empresas – os atores esquecidos do mercado brasileiro.
Uma velha briga
A falta de benchmarks baseados nas informações sobre sinistros é uma velha queixa dos grandes compradores de seguros em mercados como os Estados Unidos e a Europa, e a situação não é diferente no Brasil.
Gomes acredita que, hoje em dia, a tecnologia já permite tratar os dados preservando a privacidade dos usuários, uma das dificuldades sempre mencionadas pelo mercado na hora de avançar nesta questão.
Mas também há quem tema que os subscritores estejam se mostrando excessivamente ciumentos dos dados que coletam, preferindo reservá-los para seu próprio uso. Por esse motivo, não estariam fazendo esforços significativos para compartilhá-los com o mercado.
Gomes diz que quem sair na frente nesta corrida terá uma vantagem competitiva na hora de conquistar os clientes corporativos. Além disso, o programa de Open Insurance implementado pela Susep pode criar oportunidades para que novos atores tentem fechar a lacuna.
O compartilhamento dos dados poderia ser um diferencial que demonstra que a seguradora atua em parceria com o cliente.
Seria também uma maneira de as seguradoras se aproximarem mais do dia-a-dia das empresas, através de serviços de consultoria baseados nos dados, e ajudarem a impulsionar seus processos de gestão de riscos.
Uma necessidade cada vez maior de informação
A coleta e análise de dados é um tema quente no mercado em vários sentidos. Por exemplo, devido à entrada em vigor da nova Lei do Contrato de Seguros, em dezembro, que tem muito a ver com o acesso a informações.
Uma das mudanças mais controversas das novas regras prevê que compradores de seguros terão maior responsabilidade em fornecer ao subscritores dados detalhados sobre seus riscos.
Por outro lado, as seguradoras enfrentarão restrições sobre a quantidade de vezes em que poderão contactar clientes para pedir mais dados durante o processo de subscrição.
Eu vejo muito trabalho pela frente. Será um desafio para as empresas, além daqueles que a gente já vivencia no dia-a-dia da gestão das apólices. Vai haver um pacote importante de questões para serem analisadas e integradas à nossa rotina de trabalho.
Como muitos outros gestores de riscos de empresas brasileiras, Gomes aguarda com atenção o processo de regulamentação da lei pela Susep, que ainda não produziu resultados visíveis, apesar de que faltam menos de seis meses para a entrada em vigor das novas regras.
Negociações ficarão mais complexas
Gomes considera que uma das contratações que mais vão se complicar com a nova lei é a da apólice de riscos operacionais e patrimoniais.
As exigências de prestação de informação durante o processo de subscrição, com prazos rígidos para que os compradores preencham os questionários exigidos pelas seguradoras, serão difíceis de cumprir em um tipo de seguro que frequentemente cobre situações complexas.
As negociações para este tipo de cobertura podem demorar vários meses. O levantamento de informações detalhadas sobre as exposições de riscos, medidas de prevenção existentes e controles internos exige um trabalho intenso no interior da própria empresa e muita interação com corretores e subscritores.
Se a empresa não tiver muita clareza sobre sua exposição ao risco, a seguradora vai cobrar o que quiser pela cobertura.
Ela nota que as conversas com as seguradoras também podem ser prejudicadas por uma temida restrição da liberdade para que as partes elaborem clausulados específicos para cada comprador de seguros.
Isso ocorre justo em um momento em que o mercado avançou neste sentido, mas ainda tem muito o que fazer em termos de tornar as apólices mais “buyer-friendly” no Brasil.
O acesso à capacidade global de resseguros também pode ser prejudicada, ao menos enquanto as resseguradoras internacionais estiverem tentando entender exatamente como terão de se adaptar a regras que, por vezes, não existem nos mercados em que tradicionalmente atuam.
Temores também com impacto sobre os sinistros
E não é só a colocação dos riscos que está em jogo.
“Um dos pontos que mais me preocupam é a regulação de sinistro, que geralmente requer que uma série de dados e documentos sejam apresentados, mas agora vamos ter um tempo limitado para reuni-los”, afirma Gomes. “O que está apresentado na lei não me parece estar alinhado com a realidade das empresas.”
Por exemplo, a ideia de que a seguradora só pode solicitar informações duas vezes durante o processo de regulação do sinistro não faz sentido em situações mais complexas, como ficou claro após as enchentes catastróficas que atingiram o Rio Grande do Sul no ano passado.
A seguradora vai transferir a incerteza para o custo da apólice, porque ela não vai se sentir confortável, se não conseguir avaliar qual foi o tamanho real do risco.
Gomes acredita que o mercado demorou para levar a sério a possibilidade de que o novo marco de seguros seria aprovado e acabou perdendo oportunidades para pressionar os legisladores por um texto final mais aderente para o setor de grandes riscos.
O processo de regulamentação que a Susep terá que levar em frente até dezembro constitui uma chance de aliviar um pouco as preocupações.
“O mercado deveria apresentar as evidências necessárias para ajustar a lei e criar um processo que seja mais adequado para o futuro”, diz Gomes. “É preciso trabalhar com o regulador para conseguir ajustes à lei e que estes estejam mais em linha com os processos das empresas.”
Uma função em desenvolvimento

Gomes lidera o setor de seguros da TIM Brasil há uma década (Crédito: Divulgação)
Com formação em contabilidade, Gomes começou sua trajetória na gestão de riscos quando era responsável pela área de controle interno da TIM e foi chamada para implementar o programa de Enterprise Risk Management (ERM) da empresa no Brasil.
O passo seguinte foi assumir a administração do programa de seguros da empresa. Ela está completando neste ano uma década na função.
Nesse período, Gomes tem acompanhado o desenvolvimento da gestão de riscos no Brasil e as dificuldades que as empresas ainda encontram para contratar profissionais qualificados para a área.
O segredo para atuar na profissão, na opinião dela, é ter vontade de aprender tanto sobre os processos internos quanto sobre as peculiaridades do mercado de seguros.
A gente precisa conhecer a empresa, até para poder identificar o risco e encontrar alguma oportunidade de proteção. Isso se consegue com estudo, análise e fazendo networking. É como procuro orientar e inspirar minha equipe.
Uma estrutura local e global
Gomes lidera uma equipe de cinco profissionais no departamento de riscos e seguros da TIM Brasil e conta também com o apoio da estrutura global da multinacional italiana para a área.
A estrutura inclui uma corretora de seguros cativa que atua na transferência de partes importantes das coberturas incluídas nos programais globais de seguros do grupo.
Ela conta que alguns dos principais seguros da empresa no Brasil, como as coberturas de riscos operacionais e patrimoniais, são colocados no mercado através da cativa dentro do programa global do grupo.
Gomes acrescenta que, além disso, a companhia possui uma área dedicada de ERM, responsável pela identificação, avaliação e mitigação integrada dos riscos corporativos. Essa estrutura assegura uma visão abrangente dos riscos, alinhada aos objetivos estratégicos, promovendo uma gestão proativa que apoia a tomada de decisões e a melhoria contínua dos processos, diz ela.
A maior parte das coberturas, porém, é comprada localmente, incluindo riscos cibernéticos, de fretes, responsabilidade ambiental e D&O. A lista inclui também o seguro garantia, uma importante ferramenta para uma empresa que participa de licitações públicas onde garantias financeiras são exigidas pelos reguladores do mercado.
“O volume grande de prêmios e apólices de seguro garantia exige foco de parte da equipe para gestão e monitoramento”, diz Gomes. “Usamos o seguro garantia em processos judiciais, trabalhista, civis etc. E também em editais junto a Anatel, como quando adquirimos a banda 5G, por exemplo.”
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