Cheias de exclusões, apólices de riscos operacionais precisam se adaptar aos clientes

Exclusões ainda são demasiado comuns nas apólices de RO
“O mercado segurador tem que aumentar seu apetite ao risco. Afinal, uma de suas principais funções é aceitar os riscos dos clientes.”
A reflexão de Haroldo Alves Araújo, presidente do conselho deliberativo da Associação Brasileira de Gerenciamento de Riscos (ABGR), pode parecer óbvia, mas reflete uma realidade vivida por muitas empresas: as seguradoras seguem dispostas a incluir nas apólices exclusões e condições que não beneficiam seus clientes.
Araújo fala com o conhecimento de quem já está há mais de duas décadas trabalhando com a gestão de riscos e seguros de uma grande empresa energética, a Cemig. Desde então, tem acompanhado as profundas mudanças ocorridas no mercado brasileiro.
Ele diz que é inegável o fato de que o mercado evoluiu neste período. Há mais variedade de atores oferecendo coberturas para as empresas, que também desfrutam de maior acesso à capacidade de resseguros internacional.
Um número crescente de compradores dispõe de profissionais preparados para negociar com o mercado, ao tempo em que aumentou a capacidade de elaborar apólices sob medida para cada cliente.
Ainda assim, Araújo considera que o mercado está demorando demais para oferecer muitas das soluções que seus clientes necessitam.
As lacunas do lucro cessante
Um exemplo é o da cobertura de lucros cessantes.
Um dos principais riscos enfrentados pelas empresas do setor elétrico é a variação de preços de energia produzida em diferentes partes do país e através de fontes variadas.
Quem está no mercado comercializando tem de entregar a energia que vende, ainda que existam oscilações desfavoráveis de preço. Às vezes a empresa é impactada por essas oscilações de preços, sofrendo uma perda de receita ou um aumento de despesa. Por algum motivo, o mercado ainda não oferece, ou oferece com muitas restrições, uma cobertura de lucro cessante ou de perda de receita para isso.
Algo parecido ocorre com os riscos regulatórios, que são quase inerentes a um setor altamente regulado como a geração e distribuição de energia.
Se uma empresa fatura menos devido a uma mudança nas regras do mercado de energia, ainda não pode contar com uma apólice de seguros que lhe mitigue essa perda de receita.
Risco operacional x cyber
Para Araújo, as coberturas de lucro cessante também são prejudicadas pela falta de diálogo entre as apólices de riscos operacionais e de riscos cibernéticos.
Apesar de que existe um risco claro de que maquinarias importantes para as empresas parem de funcionar devido a ataques de hackers ou falhas em sistemas de informática, as coberturas de lucros cessantes das apólices de riscos operacionais costumam trazer exclusões para os riscos cibernéticos.
Em sua visão, trata-se de uma reação exagerada que acaba deixando os clientes desprotegidos contra um risco que pode ter um impacto significativo em suas operações.
Tudo bem que cyber e riscos operacionais são ramos diferentes, mas eles têm que conversar entre si. Seria um diferencial que hoje a grande maioria das empresas não têm. E quantas vezes aconteceu um ataque a uma máquina de grande porte? Qual é o real impacto disso para o mercado? Às vezes, o medo do outro lado é maior do que o risco que realmente existe.
Ele observa que a compra de uma apólice de seguros cibernéticos continua sendo complexa, e os custos, elevados, o que as coloca além das possibilidades de muitas empresas.
Mas também diz que muitas não se importariam de pagar um pouco mais por suas apólices de riscos operacionais se elas incluírem coberturas contra ataques cibernéticos a máquinas que são vitais para suas operações.
Exigências paradas no tempo
Os exemplos anteriores mostram um mercado que falha em adaptar seus produtos às necessidades dos clientes. Araújo também nota, porém, uma tendência no setor de se agarrar a práticas que ficaram defasadas com o passar do tempo.
É muito comum, por exemplo, que, no clausulado das apólices de riscos operacionais, as seguradoras incluam exigências de inspeções e manutenções periódicas a alguns tipos de equipamentos, o que implica a interrupção de sua operação.
“Nem sempre as companhias conseguem ajustar o cronograma de inspeções e manutenção com esse objetivo, e às vezes nem é necessária naquele momento, pois as máquinas possuem um nível de monitoramento e controle elevado”, diz ele.
“Hoje o que mais se faz é investimento em monitoramento e em manutenções preventivas e preditivas. A manutenção corretiva em si ocorre somente em último caso. Máquina parada é sempre um problema, e às vezes no momento de algumas intervenções pode ser inserido nela um problema que não existia.”
Isso sem falar na perda de receita que poderá ser gerada pela interrupção da atividade do maquinário fora do seu ciclo planejado de produção.
Há cláusulas de exclusões que aparecem nas apólices em novas emissões e endossos que nos incomodam. As apólices de riscos operacionais têm aumentado as exclusões e há muitas regras para as empresas cumprirem, gerando assim mais pontos de atenção para os gestores de seguros.
O executivo da Cemig acrescenta que existe uma percepção de que o parque gerador brasileiro conta com máquinas antigas, mas isso não significa que elas apresentam maiores níveis de risco.
“O envelhecimento das máquinas traz riscos que são mesuráveis e que às vezes são melhores do que os riscos de máquinas mais novas”, diz Araújo. “O lado positivo é que o mercado está se mostrando mais aberto a conversar sobre esses temas.”
Mais além do pagamento de sinistros
Mas ainda há muito que melhorar. Ele acredita que as seguradoras poderiam oferecer mais serviços agregados às coberturas de seguro. Poderiam, por exemplo, divulgar melhor a prestação de serviços de consultoria de gestão de crises ligadas às apólices de responsabilidade civil.
Araújo também cobra a integração de mais tecnologia aos processos de subscrição e regulação de sinistros, de forma a torná-los mais eficientes. Hoje, gestores de riscos ainda reclamam da burocracia e das demoras inerentes às emissões e atualizações das apólices de grandes riscos.
De certo modo, o mercado, incluindo os compradores de seguros, vai passar por uma transição importante a partir de dezembro, quando entra em vigor a nova Lei do Contrato de Seguro. Para ele, as novas regras podem trazer alguns avanços e muitas oportunidades de melhorias.
“Em linhas gerais, a lei amplia a proteção do segurado, dentre os pontos destaco principalmente a parte da regulação de sinistros, que não era ou era pouco regulamentada”, diz Araújo. “Hoje a regulação pode se tornar muito morosa. Às vezes o segurado explica, justifica, envia a documentação solicitada, e a empresa de regulação contratada pela seguradora analisa tudo e volta com mais pedidos.”
“Isso é agravado quando há substituição da empresa reguladora ou do profissional. São procedimentos que para o segurado acabam sendo desgastantes. Entendo que não será fácil o alinhamento para desenvolver uma relação de documentos e quais serão as informações necessárias para cada modalidade de seguros.”
Um artigo trouxe o prazo limite de 120 dias para regular e liquidar um sinistro. Essa obrigação gerou a dúvida se o prazo estabelecido pela lei para concluir o processo de regulação será realista para os sinistros mais complexos. E Araújo também teme que a rigidez imposta às demandas de informações por parte das seguradoras acabe tendo efeitos adversos no mercado.
Esse artigo da lei traz riscos adicionais para os dois lados, mas eu vejo que, para a seguradora, o risco fica maior. A seguradora poderá então pedir uma lista de documentos que poderá dificultar o entendimento do segurado. Ela deverá pedir tudo que entender necessário em um processo de regulação, inclusive documentos que não têm relação direta com o sinistro em análise.
Começando cedo para não ter surpresas
Ele acredita que o mercado levará um tempo para se adaptar e não vê motivo para que os preços das coberturas aumentem como resultado da nova lei.
De qualquer maneira, porém, Araújo e sua equipe começaram cedo a preparar as próximas renovações de apólices.
"Hoje há uma facilidade de colocação, mas grandes mudanças podem ter um impacto no mercado. Nós estamos em processo de renovação de alguns contratos e eu já faço perguntas sobre o que pode ocorrer a partir de dezembro. Já estamos também conversando com as áreas de regulação de sinistros para não ser surpreendidos nos primeiros sinistros após a virada de chave."

Araújo (à esquerda) com outros diretores da ABGR na Expo de 2023 (Foto: Divulgação)
Uma função que cresce em um setor que não é fácil
Como responsável pela gestão de riscos e seguros de uma grande empresa energética, Araújo precisa lidar com uma variedade de temas que vão desde os riscos tecnológicos e operacionais até as mudanças climáticas, passando por riscos regulatórios, responsabilidade civil e outros.
“O setor de energia não é fácil”, diz ele.
A ampla gama de interesses que cabem em seu trabalho reflete a evolução da função do gestor de riscos no Brasil. Cada vez mais, os profissionais da área ganham espaço nas empresas e se veem envolvidos na definição de seus rumos estratégicos.
"A gestão de riscos e seguros está ganhando importância na medida em que a própria percepção dos riscos está mudando. No passado, a função estava muito voltada para o chão de fábrica, para os riscos operacionais e de engenharia."
Era uma visão que havia se consolidado durante as sete décadas em que o IRB deteve o monopólio do resseguro no Brasil, no qual os compradores se submetiam a inspeções periódicas por parte dos subscritores, que faziam sugestões e recomendações voltadas puramente à parte operacional do negócio.
Agora, porém, ele vê a profissão adotando uma postura mais abrangente e lidando com mapas de riscos corporativos mais amplos e estratégicos. Também acredita que, cada vez mais, os gestores de riscos tendem a ser ouvidos pelas esferas mais altas de suas empresas.
Mais responsabilidades e aprendizado constante
O outro lado da moeda é que mais responsabilidade também implicar a necessidade de se desenvolver profissionalmente.
Araújo nota que o gestor de riscos e seguros hoje tem que estudar temas diferentes que muitas vezes parecem distanciados de seu dia a dia na empresa. Não faz muito tempo, preocupações como os riscos cibernéticos e da inteligência artificial não constavam do universo de referência da profissão, mas hoje são parte inescapável de seu trabalho.
"O cyber tem a conexão direta com o risco operacional. Não se atacam somente os dados, a própria operação de uma planta pode ser visada por um ataque cibernéticos. O profissional não pode mais ficar sentado, achando que que o risco é apenas operacional. Hoje o profissional de risco e seguros tem que pensar em estar sempre evoluindo e aprendendo."
Além disso, Araújo diz que o gestor de riscos precisa divulgar melhor os benefícios que seu trabalho traz para as organizações.
“Ainda hoje muita gente vê transferência de riscos como uma despesa, mas na verdade se trata de um investimento”, diz ele. “Ela evita problemas maiores e, se algo grande ocorre, o seguro ajuda a diminuir seu impacto. O custo do processo de gestão, mitigação e transferência de riscos é pequeno, perto do impacto que um grande evento pode ter sobre a empresa.”
As virtudes da transversalidade
Formando em engenharia elétrica, Araújo é funcionário concursado da Cemig e chegou à área de gerenciamento de riscos e seguros através de processos internos da empresa.
“A captação do profissional, no setor público principalmente, ocorre mais pela sedução. É preciso vender a carreira ali, mostrar que ela tem potencial de crescimento”, diz ele. “Eu fiquei encantando, gostei da função e, graças a esse trabalho, pude conhecer praticamente todas as plantas de geração da empresa. Além disso, os riscos mudam, o momento muda, o mercado muda. O gestor de riscos e seguros tem que desenvolver soluções.”
Hoje é ele quem faz o trabalho de convencimento dos novos profissionais da área, ressaltando características como a transversalidade da função.
"Uma hora você está analisando seguro de vida, noutra hora, seguro garantia, e em outra ainda, um risco operacional, um incêndio ou um risco de engenharia. São assuntos diversos que não nos deixam ficar parados em um só conhecimento e nos instigam a conhecer as outras áreas da empresa."
A possiblidade de trabalhar com diferentes áreas do grupo foi justamente um dos fatores que mais lhe atraíram estar por mais de duas décadas na gerência de riscos e seguros.
Outra caraterística importante da função é a troca de informações com outros gestores de riscos. Araújo ressalta que representantes de 30 empresas energéticas interagem regularmente no Comitê Elétrico da ABGR, mesmo que muitas vezes elas atuem nos mesmos segmentos de mercado.
“Isso nos ajuda muito, até para ter um benchmark com relação a contratações, a preços, taxas, clausulados e coisas assim. Trocamos informações e conhecimento, e isso é muito saudável para o comprador”, conclui Araújo.
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