Conteúdo de alto nível permeou o 16º Seminário da ABGR
Temas
diversificados e pertinentes para o atual cenário mobilizaram a atenção do
público
Por Tany Souza
Após as plenárias iniciais no primeiro dia do evento, já se imaginava a qualidade das apresentações que se seguiriam. A reportagem do portal da ABGR acompanhou alguns destes painéis. “Eventos Climáticos: Impactos Ambientais e Sociais, Gestão de Crises e Mitigação de Riscos” trouxe à luz a influência da tecnologia nas mudanças do clima, sob a mediação da risk manager e gerente de seguros da Eletrobras, Lívia Ferreira.
O
cofundador da MeteoIA, Gabriel Perez, mostrou como a Inteligência Artificial
traz soluções para os desafios climáticos. “Temos modelos hoje que são para
curto prazo e que não têm uma resolução tão alta na escala do ativo.
Metodologias mais recentes de IA têm mostrado uma boa performance para prever
se um certo mês, por exemplo, terá chuvas muito acima ou abaixo da média, qual
será a tendência dos extremos para aquele mês, se o período dos próximos 12
meses terá risco”, explicou Perez. Segundo ele, há um fluxo de informações que
antes não estavam disponíveis e que agora os modelos já têm aprendido e
conseguido capturar, por exemplo, o impacto do aquecimento global sobre as chuvas
no Brasil.
O
especialista em Seguros e Gestão de Riscos, Álvaro Trilho, informou que os
dados apresentados por Perez estão relacionados aos riscos climáticos,
classificados como riscos físicos. Em sua visão, há formas de mensurar esses
riscos e as empresas podem mitigá-los e trabalhá-los da melhor forma possível.
“Nós temos dois tipos de riscos físicos: um risco agudo, o alagamento,
vendaval, e riscos crônicos, como seca e onda de calor. E existem algumas
formas de modelar esses riscos. Então, por meio dos estudos climáticos, nós
fazemos uma modelação financeira, de estatística e trazemos o resultado. A
partir desse ponto, a empresa define o que é mais factível para ela: reduzir
esse risco, terceirizar em forma de seguro, mudar de local ou de atividade”,
ressaltou.
Marlon
Basso, especialista em Seguros e Gerenciamento de Riscos com foco em grandes
sinistros e prevenção de perdas, lembrou o que aconteceu no Rio Grande do Sul:
o maior distúrbio climático que atingiu a população do país e a segunda maior
mobilização aeronáutica privada do mundo, atrás apenas do furacão Katrina, nos
Estados Unidos. “Se isso aconteceu uma vez, pode acontecer outras vezes. A
infraestrutura no RS precisa ser modernizada. Nosso trabalho como gestor de
riscos é estudar isso, entender o que está acontecendo no planeta e tentar
amenizar as consequências. Precisamos trabalhar com seguros paramétricos para
que os riscos possam ser mitigados”, alertou.
O painel “Legislações: A Revisão do Código Civil e a Relação com a Lei de Seguros” reuniu um trio exemplar de painelistas, que explicou como o Código Civil pode remodelar o mercado de seguros e sua revisão em face da Lei 15.040/2024. O painel teve a mediação de Cristina Weiss Tessari, especialista em seguros, resseguros e gerenciamento de riscos e gerente de seguros no Grupo Votorantim.
Para a
advogada Angélica Carlini, especialista em Seguros e Inteligência Artificial, o
Código Civil de 2002 precisa ser atualizado. “Este conjunto de leis começou a
ser redigido em 1969 e ficou engavetado no Legislativo. Até que, em 2002, foi
colocado em discussão e foi aprovado. Logo que entrou em vigor, já surgiu um
projeto com inúmeras mudanças. Foi formada uma comissão em abril, quando foi
entregue um anteprojeto, e em janeiro de 2025 o tema voltou a ser relembrado”,
relatou.
Segundo
a advogada, com a revisão do Código Civil, algumas mudanças serão importantes:
“As partes terão mais liberdade para redigir com maior especificidade e a
boa-fé nos contratos em geral passa a ser mais adequada à finalidade do
contrato. Tenho uma visão realista, pois precisamos de leis eficientes para
garantir segurança jurídica. Sem isso, não há geração de riqueza, negócios ou
empreendedorismo”, argumentou.
Para
Bárbara Bassani, sócia na área de Seguros e Resseguros do escritório
TozziniFreire Advogados, há um questionamento: com a nova Lei, não haverá
compatibilização entre seguros de grandes riscos e liberdade contratual, já que
o Código Civil ainda está em tramitação. “Como fica essa situação?”, questiona
Bárbara. Em sua avaliação, talvez a dificuldade esteja no próprio artigo do
Código Civil atual, que, ao tratar de contratos paritários e simétricos — os de
grandes riscos —, menciona que é salvaguardada a legislação especial. “Portanto,
teremos certamente um debate sobre qual legislação prevalece, uma vez que agora
temos uma lei específica, a 15.040/2024”, apontou.
Já o
advogado e professor, doutor em Direito Civil pela UERJ, Thiago Junqueira,
analisou os impactos da revisão nas relações securitárias, afirmando que
qualquer nova lei que se aplica ao mercado de seguros surge em decorrência de
outra norma mais ampla. Segundo ele, modalidades como seguros de grupo de
responsabilidade, empresarial e garantia tendem a ser as mais afetadas.
Junqueira destacou que o Código Civil influencia diferentes aspectos da vida e,
consequentemente, o setor de seguros.
Outro painel relevante foi o “Agronegócio: Direcionamento para um Programa Integrado de Gestão de Riscos e Seguros”, sob a mediação de Ana Paula Andriolli, gerente de seguros SAM EuroChem. A vice-presidente de Riscos Corporativos na Acrisure Brasil, Karina Andrade, afirmou que o Marco Legal dos Seguros possuis aspectos positivos. “A questão da segurança jurídica é importantíssima. Precisamos de uma redação mais clara, inclusive com mais autonomia nessa compra. Há também uma tendência de diminuição da judicialização, que hoje se vê com frequência”, argumentou.
Outra questão
analisada por Karine é a modernização contratual. Isso é positivo sob o ponto
de vista do cliente, que se sentirá mais seguro para realizar suas aquisições,
sabendo o que está comprando e podendo fazer a melhor seleção e escolha dos
seus produtos”, afirmou. Para a executiva, esse movimento contribui também para
a melhora na reputação do mercado.
Na
análise de Juliano Ferrer, presidente do GNT de Agronegócio e Seguros da Aida
Brasil, a Lei 15.040 traz um avanço importante: “O artigo 41 diz claramente que
o corretor de seguros poderá representar o proponente na formação do contrato.
Isso é fundamental, porque, na formulação e assinatura da proposta, o corretor
também se compromete com as informações que apresenta na contratação. Ou seja,
não é adequado que um corretor de automóvel venda seguro rural ou agrícola. Ele
precisa entender do que está tratando, pois se comprometerá junto”.
Ferrer
acrescenta outro ponto sobre a proposta, ressaltando que já havia previsão
semelhante no Código de Defesa do Consumidor e, agora, ganha maior
sensibilidade no caso do seguro rural. “Já temos essa regra da transparência em
relação às perguntas feitas e às consequências das respostas, prevista no
Código de Defesa do Consumidor”, alertou. Ele lembra que, sobretudo no seguro
rural, às vezes se discute até a vulnerabilidade ou não do segurado — quando
ele é um grande produtor, por exemplo. Neste caso, os artigos da nova lei
determinam que a seguradora deve incluir todas as perguntas relevantes para
assumir e calcular o risco.
Daniel Nascimento, vice-presidente da Comissão de Seguro Rural da FenSeg, destacou o impacto recente das perdas climáticas sobre o setor. “As perdas climáticas dos últimos anos trouxeram prejuízos, sinistralidade e dificuldades ao mercado de seguros. Acredito que o Projeto de Lei 2.951, de 2024, traz desafios, mas também pode permitir que a massificação, dispersão e pulverização do seguro agrícola se tornem mitigadores de risco para seguradoras e resseguradoras”.
IA,
seguros e resseguros e educação
No
segundo dia do evento, outros temas relevantes continuaram lotando as plenárias
do WCT. Na abertura, Leonardo de Castro Beto, gestor responsável pela área de
seguros do Grupo Energisa e diretor financeiro da ABGR, mediado pelo gerente de
Riscos e Seguros da Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig) e presidente
do Conselho Deliberativo da ABGR, Haroldo Alves Araújo, falou sobre “O Risk
Manager e a Área de Seguros na Energisa”.
Leonardo
Beto abordou aspectos do papel do risk manager e o trabalho desenvolvido na
Energisa. Em sua fala, ele discorreu sobre a identificação, avaliação e
mitigação dos riscos que podem afetar a empresa, incluindo riscos operacionais,
financeiros, estratégicos e de conformidade. “O papel deste profissional nas
organizações é fundamental”, ressaltou. Haroldo Araújo considerou bastante
oportuna a abordagem do painelista. “Leonardo apontou também as dores e
preocupações dos profissionais de riscos, os seus anseios, além da formação do
risk manager”.
Logo em seguida, Fernando Nery, sócio-fundador da Módulo, Renato Blum, advogado, economista e presidente da Comissão de Estudos de Novas Tecnologias do Instituto dos Advogados de São Paulo (Iasp), e Yann Barbarroux, CEO e fundador da Otonomi – Next Generation Insurance for Global Trade Disruption, participaram do painel “IA: PL 2388/23, Governança e Proteção de Dados – Boas Práticas para Gestão de Riscos”. A mediação coube à Thiago Rodrigues da Fonseca, gestor da Qualidade, Estratégia, Riscos e Seguros na Jirau Energia e coordenador do Comitê do Setor Elétrico da ABGR.
Em suas
ponderações, Renato Blum disse que, em até quatro anos, poderá haver um novo
sistema jurídico muito mais dinâmico e diferente no atual cenário. “Do dia para
a noite, teremos grandes oportunidades na contratação de seguros, mas também
haverá riscos para as próprias seguradoras. Porém, seria muito óbvio e objetivo
debater essas questões apenas sob o ponto de vista futurista”, opinou.
Já Fernando
Nery destacou a importância da governança como boa prática para a gestão de
riscos. “A governança é a estrutura de comando. Por isso, é preciso ter
estratégia, dominar os resultados e tomar decisões assertivas. A linguagem
comum para isso é a gestão de riscos, um dialeto comum”
Yann Barbarroux, por sua vez, enfatizou a dimensão dos riscos macro e radicalizados. “Tivemos a pandemia, mas também enfrentamos questões climáticas e outros fatores que podem gerar riscos, como os cibernéticos, o comércio com a China, as remessas de importação e o petróleo. Tudo isso representa trilhões em produtos de proteção”. Barbarroux recomendou cuidado para tratar destas questões cada vez mais contemporâneas.
“Seguros e
Resseguros: Visão Global, Contratação e Expectativas com a Nova Lei dos Seguros” foi outro painel com grande presença de
público, que teve a mediação de Marcos Nishimura, head de Riscos e Seguros para
a Engie Latam. Primeira a se manifestar, a sócia do
escritório CAR em São Paulo, Julia Santoro, especialista em Direito
Regulatório, Societário, Seguros e Resseguros, destacou uma preocupação com a
nova Lei dos Seguros em relação ao prazo de 30 a 120 dias para o aviso de
sinistro, que deve ser acompanhado de todas as informações necessárias a fim de
que a seguradora se manifeste sobre a cobertura.
“Há um
movimento das seguradoras para se adaptarem a esse dispositivo e tentar se
organizar, deixando claro nas análises qual será o passo a passo do sinistro,
que vai mudar um pouco. Hoje temos uma
dinâmica mais informal e frequente de troca de informações”, lembrou Julia. Esse
fluxo, segundo ela, mudará e pode ser desafiador montar um dossiê completo de
aviso de sinistro.
Na avaliação
de Thomaz Menezes, CEO & presidente da Acrisure Brasil e América Latina, o
cenário traz tanto desafios quanto oportunidades aos corretores e consultores
de seguros e resseguros. “O papel do corretor, mais do que nunca, será
fundamental para interpretar a lei e conduzir a transição entre o regime atual
e o ‘pós-lei’. O corretor generalista, que sabe um pouco de tudo, terá menos
espaço em comparação ao profissional especialista.”
Na ótica de Rafaela Barreda, presidente da Fenaber e do Lloyd’s Brasil, o mercado atravessa um momento de transição, em que custo e confiança estarão no centro das relações. “O custo estará atrelado a parcerias e confiança. A partir do momento em que seguradoras e resseguradoras se conhecem e confiam na relação, é possível precificar. Se eu não conheço a operação, não tenho conforto”, advertiu.
O tema
qualificação também foi objeto de debate no segundo dia do 16º Seminário da
ABGR. O painel “Educação: A Importância do Desenvolvimento Profissional e
Cultural no Mercado de Seguros” reuniu a diretora de Ensino da ENS, Maria
Helena Monteiro, Ney Dias, presidente da FenSeg e CEO da Bradesco Auto/RE,
Walter Polido, mestre em Direito (PUC-SP) e árbitro em Seguros e Resseguros,
sob a mediação de Leonardo Castro Beto, gestor responsável pela área de seguros
do Grupo Energisa.
Maria Helena
reforçou que a Lei 15.040 e a Lei Complementar 213 representam uma verdadeira
revolução para o setor, especialmente pelo impacto no mutualismo. “É uma
mudança de ‘mindset’ para muitos players do mercado, que gera enormes
oportunidades na educação, com demanda crescente por treinamentos.”
A diretora
da ENS também destacou outros fatores transformadores, como digitalização, open
insurance, inteligência artificial, cibersegurança, ESG e novos institutos
cibernéticos. “Quem pensava em riscos cibernéticos há dez anos? Hoje é uma
realidade. Precisamos estudar muito sobre isso. São riscos complexos, que exigem
novas competências.”
Para Ney
Dias, o mercado precisará não apenas aprender, mas também desaprender. “Foram conceitos,
necessidades e limitações impostas pela tecnologia, costumes e hábitos”,
ressaltou o executivo. Na sua análise, é preciso desaprender ou abandonar
pontos que eram cruciais, mas que, na nova realidade de mercado, serão
diferentes.
Na mesma
linha de pensamento, Walter Polido lembrou que, durante muito tempo, o IRB
impôs suas condições ao mercado. “Agora este mesmo mercado tem liberdade para
estabelecer suas próprias bases contratuais, mas ainda não utilizou plenamente
essa possibilidade. E, além desse grande desafio ainda inacabado, temos a nova lei”,
complementou. Polido entende que muita coisa ficou como herança de um mercado
fechado, “com contratos padronizados e de baixa qualidade técnica. Isso tem
prejudicado o setor e gerado excessiva judicialização”.